Ter autonomia para tocar seu próprio negócio. Esse é o sonho de muitos brasileiros que querem abrir um empreendimento fazendo o que gostam, sem ter um patrão para lucrar com o seu trabalho. Os indígenas também criam seus próprios produtos, que podem ser comercializados. Isso pode levá-los a não depender dos não-índios para a revenda e também de bolsas do Governo Federal para sobreviver.
O projeto Territórios criativos indígenas: arte e sustentabilidade é um passo importante para essa autonomia tão desejada. Ele é realizado pelo Núcleo de Pesquisa do Contemporâneo [NEC] da Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT], financiado pelo Ministério da Cultura [MinC], por meio da Secretaria da Economia Criativa.
Neste primeiro momento, quatro etnias participam da capacitação: Os Umutina [aldeias Central e Bakalana]; os Chiquitano [aldeia Vila Nova Barbecho]; Xavante [Wede’rã]; e Bakairi [Pakuera, Aturua, Paikum e Kuiakware].
A coordenadora da proposta em andamento, professora Ludmila Brandão, conta que cada etnia escolheu o material que servirá como fonte de renda, assim como os integrantes da aldeia que irão receber a capacitação. Tudo foi feito por meio de interlocutores advindos da universidade, mas todos indígenas das respectivas etnias. “A base da economia criativa é que seja estimulada uma produção que vise a comercialização e obtenção de recursos por parte das comunidades, mas que lhes dizem respeito, que sejam tradicionais da comunidade ou que tenham relação com alguma prática tradicional”, esclarece a pesquisadora. Ela garante que nenhum dos povos visa o enriquecimento, mas sim converter a arte deles em algum benefício para a comunidade.
Helena Corezomaé, graduanda em Jornalismo na UFMT, é Umutina e fez a interlocução com seu povo para saber em que gostaria de investir. A aldeia fica em Barra do Bugres, cidade localizada a 160 km de Cuiabá. A área tem 28 mil hectares, onde vivem 453 pessoas divididas em duas aldeias: Bakalana, com 53, e Central, com 400. Eles vão aprender a comercializar suas biojoias, como colares, brincos, pulseiras, feitos com sementes e outros materiais naturais da região.
Isabel Taukane, doutoranda em Estudos de Cultura Contemporânea na mesma instituição, é Bakairi. A aldeia fica em Paranatinga, a 340 km da capital. Os Bakairi se autodenominam Kurâ, que significa Nossa Gente ou Nosso Povo. Bakairi não foi nome atribuído pelos indígenas e nem pertence ao vocabulário da sua língua, mas foi difundido no Brasil. O projeto abrangeu quatro das 11 aldeias existentes [Pakuera, Aturua, Paikum e Kuiakware]. Eles têm produção bem variada, que envolve cerâmica, trançados de palha de buriti, redes, adornos, instrumentos musicais [flautas e chocalhos], utensílios etc.
Severiá Idioriê, mestranda em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso, foi a interlocutora dos Xavante. A aldeia fica na região de Canarana, chamada Wede'rã, situada a 610 km de Cuiabá. Ludmila conta que os Xavante já tinham atividade por nome “Vivência intercultura”, uma espécie de turismo, mas com outras finalidades. A pessoa não-índia vai à aldeia não para ver, mas sim para participar. Isso inclui pescaria, caminhada na mata, rituais, para que haja uma troca de saberes.
Soilo Urupe Chue, graduando em Psicologia, é Chiquitano. Esse povo é um dos mais afetados pela convivência com os “brancos”. Eles vivem em Porto Esperidião, município distante 405 km da capital e situado na fronteira com a Bolívia. Tem população estimada em 20 mil habitantes, em aldeias e periferias das cidades. Os Chiquitanos vão investir na orquestra de violino com instrumento da etnia, que têm há muito tempo.
A professora Ludmila revela que este é um projeto pioneiro, conforme menção do MinC. Esse tipo de experiência só havia alcançado até o momento grupos populares, como quilombolas.
A capacitação
Para ministrar a capacitação das etnias, que deve terminar ainda em julho, uma empresa de consultoria foi escolhida por meio de edital de licitação conduzido pela Uniselva. “Vai ter desde capacitação para entender como funciona o mercado, como procede para vender as biojoias, até organização de conexões empresariais para vender”, relata a pesquisadora. Ela acrescenta que a oficina já foi dada aos Chiquitanos, e eles vão criar um site da orquestra para garantir autonomia nas negociações, divulgar o grupo para realização de espetáculos pelo Brasil e exterior, além da gravação e difusão de CD.
Para participar da licitação, foram apontados critérios para a garantia de um trabalho de qualidade. A empresa deveria apresentar corpo de consultores com experiência na área indígena e na economia criativa, solidária, arranjos produtivos e incubação. Também precisa planejar as ações em conjunto com os articuladores indígenas, com supervisão da coordenação do projeto, setor sob responsabilidade de Naine Terena, com o intuito de garantir o respeito à dinâmica de cada comunidade indígena.
Um dos consultores é o mestrando em Antropologia na UFMT, Luis Alberto Pereira. A ideia é ensinar a elaborar projetos e acompanhar a formação dos Xavante e Chiquitano. Pereira trabalha para a Arca Incubadora, já foi secretário de Meio Ambiente em Tangará da Serra, além de ter trabalhado com o povo Paresi, Umutina e Bakairi.
De acordo com programação prévia, a jornalista Creuza Medeiros irá mostrar como comercializar as biojoias e artes, com ensinamento ligado principalmente às mulheres Umutina e Bakairi. A profissional é uma das articuladoras do Espaço Magnólia [Rua 24 de outubro], formado por uma rede de artesãos e criativos de Cuiabá.
A noção de legislação será ministrada pelo bacharel em Direito, Adriano Boro Makuda, indígena da etnia Bororo. Ele fará palestra sobre direitos autorais, legislação indígena, direitos de imagem, associativimos, entre outros.
Além disso, o projeto ainda tem a parte burocrática, que está sob os cuidados de Karine Mattos e Diego Baraldi, na área da comunicação, e consultorias com Suzana Guimarães e Larissa Menendez, que também estão ajudando na criação da logomarca para o projeto. “Estamos criando um site que talvez venha para agilizar contatos, já que o problema não é vender, mas sim entregar a partir de uma aldeia. Queremos que o projeto fique na mão deles”, diz Ludmila.
Ao final do projeto, que dura um ano, terá o festival “Aldeia de Vivência”, evento na UFMT, que vai contar com exposição, desfile de biojoias, concerto da orquestra, entre outras atividades, além da possibilidade de ser lançado um livro.