ISTÉ/ Tábata Viapiana e Ilimar Franco
O ex-presidente Lula deve achar que o banco dos réus é um puxadinho do sítio de Atibaia. Só pode. A caminho da segunda condenação da Lava Jato, o petista entrou na nova audiência com o juiz Sergio Moro, realizada na última quarta-feira 13, em Curitiba, a destilar fanfarronices, como quem se sentisse em casa e jogasse para a plateia – a dele, claro. Faltou colocar os pés sobre a mesa. Foi agressivo com o juiz, a quem desafiou, questionando sua imparcialidade, chamou uma procuradora de “querida”, como se fosse alguém que privasse de sua intimidade, e quis discutir com Moro a condenação a nove anos e meio de prisão no caso do tríplex do Guarujá. “Posso olhar na cara dos meus filhos e dizer que vim a Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?”, indagou. Moro afirmou que não cabia a Lula fazer aquele tipo de pergunta, “mas de todo modo, sim”. “Não foi isso que aconteceu na outra ação”, retrucou o petista, ao que Moro respondeu: “Não vou discutir a outra ação. A minha convicção é que o senhor era culpado”. Lula chegou a elevar o tom de voz, mas não conseguiu dar explicações sobre os fatos pelos quais é acusado, numa ação por corrupção e lavagem de dinheiro: receber da Odebrecht um terreno para o Instituto Lula e ganhar de presente uma cobertura ao lado da sua em São Bernardo do Campo. Ao fim, atacou seu ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Em 2005, quando Palocci era ministro da Fazenda, o petista chegou a compará-lo a Ronaldinho, então astro do Barcelona.
Como sempre, Lula terceirizou responsabilidades. Ao dizer que a cobertura não é sua, e que pagava aluguel por ela, o ex-presidente não soube explicar por que não tinha pago os alugueis. De novo, jogou nas costas da mulher Marisa Letícia, morta em fevereiro, a culpa por ela não ter pago os alugueis. Disse que o apartamento foi alugado por sua falecida esposa e que era ela quem cuidava desse tipo de coisa. “Em 76, abri uma conta conjunta com a dona Marisa para ela administrar a casa. Passei quase 30 anos sem assinar um cheque, porque a dona Marisa fazia tudo. Foi ela que fez esse contrato”, disse Lula. Quanto à compra do terreno, afirmou que era tarefa de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula. Pressionado por acusações de delatores e colegas de partido de peso, como seu ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, Lula partiu para o confronto aberto. “Se o Palocci não fosse um ser humano, seria um simulador. É frio e calculista”. O ex-presidente foi acusado por seu antigo braço direito de agir, ao lado da ex-mandatária Dilma Rousseff, para frear a Lava Jato, além de fazer um pacto de sangue com Emílio Odebrecht para o recebimento de propinas.
TRAMA Lula e Dilma fizeram conluio para frear a Lava Jato (Crédito:Ueslei Marcelino/Reuters)
Lula divide a esquerda
À medida que as ações da Lava Jato avançam, menores são as possibilidades de Lula disputar as próximas eleições presidenciais. Com o ex-presidente cada vez mais isolado, os petistas se preparam para enfrentar o eleitorado sem pai nem mãe. O próprio Lula acredita que pode ser carta fora do baralho e, na sua recente caravana pelo Nordeste, levou à tiracolo o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, “plano B” do PT. “Sem o Lula, a eleição será menos passional”, aposta Basileo Margarido, da REDE.
Marina Silva, em 2014, já atraiu para si parcela do eleitorado da antipolítica, agora espera canalizar ainda mais o voto do inconformismo. Quem também aposta em ocupar parcela do espaço que seria de Lula é o candidato do PDT, Ciro Gomes. Os trabalhistas acreditam que há uma tendência natural de unidade do Nordeste com Ciro.
Já a esquerda radical acredita que herdará parcela do eleitorado que ficou desencantado com o caminho adotado pelos petistas. Esse é o caso de Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que pode ser candidato pelo PSTU. “O projeto lulista se esgotou”, sentencia o deputado do PSOL, Chico Alencar, que trabalha para construir uma candidatura alternativa. Uma prova cabal e irrefutável do isolamento petista é que o PCdoB, um apêndice do PT desde 1989, pode até lançar candidatura própria. Cogita nomes como o do ex-ministro Aldo Rebelo. Que fase.
Uma prova inegável
Documentos encontrados pelo Ministério Público no sistema Drousys da Odebrecht indicam que pelo menos R$ 3,1 milhões dos R$ 12,4 milhões pagos por um imóvel para o Instituto Lula saíram do “departamento de propinas” da empreiteira. Os pagamentos foram feitos no exterior, através de empresas offshores ligadas a um ex-diretor da construtora. O sistema Drousys é um dos servidores usados pela Odebrecht para efetuar os pagamentos ilícitos.
No Drousys, os repasses aparecem registrados como “Prédio IL”, que seria uma referência ao Instituto Lula. Essa anotação é uma ligação direta do ex-presidente com as contas da Odebrecht fora do país. A partir disso, será possível rastrear eventuais pagamentos de propina a Lula. O Drousys, servidor localizado em Estocolmo, na Suécia, tem 1.781.624 arquivos, totalizando 2,67 terabytes de dados distribuídos em quatro discos rígidos. São e-mails, planilhas, comprovantes de pagamentos e outros arquivos e documentos que atestam os ilícitos praticados pela Odebrecht, e acima de tudo, os beneficiários das propinas milionárias.