"Eu tenho cinco histórias de aborto por gravidez indesejada. Demorei muito a ter consciência da importância da saúde sexual e reprodutiva. Demorei muito a perceber que a responsabilidade (e/ou a culpa) é dos dois envolvidos. A gente sofre pra cacete e ainda é condenada. A mulher arca praticamente sozinha com esse fardo pesado.
Na primeira, no fim da década de 1970, eu tinha 20 anos, e, ingenuamente, evitava com tabelinha. Eu e meu namorado fomos de Campinas para o Rio de Janeiro, onde alguém indicou uma clínica, em Botafogo. Ele pagou e foi tudo normal.
Viajamos de ônibus de madrugada, chegamos cedo, fizeram o procedimento por aspiração (uns dois meses de gravidez), saímos, fomos almoçar e passear.
Foi a única ocasião em que dividi o problema com o parceiro.
Na segunda vez, engravidei de bobeira, numa reconciliação pós-briga com esse mesmo namorado. Fiquei tão puta da vida com a mancada (que à época atribuí só a mim) que simplesmente cortei a relação e fui atrás de amigas para fazer uma vaquinha para o aborto. Fui a um lugar barato e horrível em São Paulo.
Era noite e parecia uma sala de necrotério, onde eu fiquei esperando o médico por um tempo, deitada, aguardando. Me levantei e saí correndo, chorando. Pegamos o dinheiro de volta e fomos embora. Fui, então, a uma clínica em Pinheiros, famosa na época, e fiz.
Continuei sem um método contraceptivo mais assertivo. Não tinha parceiros fixos e namorava bastante. Não gostava de preservativos — ainda não tinham estourado casos de Aids e eu não conhecia o risco de outras doenças sexualmente transmissíveis. Fiquei à mercê da sorte.
Dois anos depois, me engracei com um rapaz muito bonito, talentoso, um gênio da matemática, e… casado. Dormi um dia com ele e amanheci grávida. Erro de cálculo? Que burrice a minha! Minha? Nem contei pra ele. Terceira experiência, dessa vez numa clínica na Vila Mariana.
Parti pro DIU, fiquei sete anos. Assim que tirei pra renovar o dispositivo, fiquei grávida de novo. Fiquei inconformada, que estupidez a minha! Opa, "minha", de novo? Abortei, isso era meados dos anos 1980.
Recoloquei um DIU e, vencido o prazo, fui retirar e aguardar uns dias. E…nova gravidez nesse ínterim. Cacete!
Decidi resolver em casa mesmo, num fim de semana, sozinha. Usei um remédio e abortei, com uns 2 meses. Vi no vaso sanitário e fiquei abalada. Por garantia, fui imediatamente para a emergência de um hospital particular e contei o que tinha feito, como etc.
Levei a dura de que era crime. Fizeram curetagem; fiquei dois dias internada. Deu tudo certo. Fiquei bem… quer dizer…Vai um pouco de culpa, aí?
Estava na mesma relação estável fazia uns 6 anos. Coloquei outro DIU. Em 1997, decidimos ter um filho, após 13 anos de união. Engravidei novamente e temos uma filha já adulta.
Não busquei ajuda dos 'pais' dos filhos que eu carregava porque eu me via como a única responsável.
Lidei com os abortos com muita tranquilidade, porque sabia que eles eram necessários. A tal consciência da importância da saúde sexual e reprodutiva só veio fazer parte do meu repertório em meados dos anos 2000.
Por isso é preciso que os homens levem esta discussão a sério, tanto quanto as mulheres. Tanto do aborto quanto da prevenção, e da proteção durante o sexo. Essa não pode ser uma bandeira só feminina ou feminista. É uma questão de humanidade.
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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