A vigilância corre o risco de provocar um mal-estar em um país com más lembranças da Ditadura Militar de 1964-1985, que espionava intensamente esquerdistas suspeitos, incluindo a própria Dilma, na época, integrante de um grupo guerrilheiro marxista.

 

O secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, não quis fazer comentários sobre os procedimentos da área de inteligência, mas disse que as forças de segurança "respeitam completamente o direito das pessoas protestarem em paz".

 

"Nós estamos agindo para garantir a segurança das pessoas contra aqueles que buscam a violência", afirmou Grella. Um protesto em São Paulo, no dia 25 de janeiro, foi um vívido exemplo do tipo de desordem que poderia potencialmente estragar a Copa do Mundo.

 

Depois de um protesto pacífico de cerca de 1.500 pessoas, algumas dezenas de manifestantes se separaram e bloquearam grandes avenidas, provocaram incêndios e tentaram virar um carro de polícia.

 

Quando a polícia perseguiu um grupo de manifestantes dentro do saguão de um hotel houve pânico entre os hóspedes, dos quais alguns receberam ordens para se sentar no chão enquanto os agentes tentavam identificar os manifestantes e prendê-los, de acordo com a mídia local. Outros hóspedes, amedrontados, se refugiaram em seus quartos.

 

Agências bancárias e concessionárias foram depredadas em protesto contra a Copa no dia 25 de janeiro em São Paulo Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Agências bancárias e concessionárias foram depredadas em protesto contra a Copa no dia 25 de janeiro em São Paulo
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Os manifestantes, e aqueles que os estudam, dizem que tais incidentes têm sido agravados pela resposta do governo – que, segundo eles, não entende fundamentalmente do que se trata o movimento.

 

Os black blocs são um fenômeno internacional, tendo aparecido pela primeira vez na Europa nos anos 1980 durante protestos contra a energia nuclear e outras questões. Alguns acadêmicos os comparam aos anarquistas do início do século 20, observando o papel-chave que tiveram nas manifestações antiglobalização, como a de 1999, em Seattle.

 

Em alguns casos, os grupos não têm líderes e são desprovidos de qualquer organização, unindo-se somente pelas táticas e a maneira de se vestir – em geral, inteiramente de preto. Em outros há alguma coordenação.

 

Em São Paulo, os black blocs têm um tempero local. Os aderentes são predominantemente homens com idades entre 15 e 23 anos, egressos da nova classe média baixa que floresceu quando a economia do Brasil cresceu na década passada, disse o professor Rafael Alcadipani, da escola de negócios da Fundação Getúlio Vargas, que estuda o grupo e entrevistou seus membros.

 

Esse grupo demográfico deu grandes saltos em consumo e pôde pela primeira vez adquirir máquinas de lavar, TVs de tela plana e outras mercadorias. Mas a maioria deles sofre com a má qualidade do sistema de saúde, escolas públicas ruins e longas jornadas no transporte, já que o governo não foi capaz de equilibrar a renda crescente deles – e as expectativas – com serviços melhores.

 

Os black blocs "acreditam que o sistema político brasileiro está quebrado e não os representa", disse Alcadipani.

 

 

ESPERANDO NOVOS PROTESTOS

 

Uma black bloc que disse apenas chamar-se Ana afirmou que muitos membros acreditam que o vandalismo é o único meio de atrair a atenção da mídia para os seus pontos de vista.

 

"É um grupo extremamente diverso, mas a única coisa que nos une é a crença em que não podemos aceitar silenciosamente o que os políticos estão fazendo conosco", disse ela.

 

Em outubro, black blocs espancaram gravemente um coronel da polícia, quebraram sua clavícula e roubaram sua pistola. Os manifestantes alegam que a polícia de São Paulo também usa táticas brutais e citam os tiros dados em um manifestante em 25 de janeiro. A polícia diz ter agido em autodefesa.

 

O maior medo do governo é que o tamanho e a violência dos protestos explodam novamente quando a Copa do Mundo começar.

 

Se isso vai acontecer é uma incógnita, já que depende de fatores que variam da situação da economia ao desempenho da seleção brasileira. Muitos acreditam que, se o Brasil for eliminado cedo, os brasileiros ficarão menos ligados nos jogos e mais propensos a sair às ruas.

 

As táticas dos black blocs assustaram muita gente na classe média, principal motivo que fez as manifestações encolherem e não conseguirem reunir mais do que alguns milhares desde julho.

 

Protesto contra a Copa tem Batman do RioClique no link para iniciar o vídeo
Protesto contra a Copa tem Batman do Rio

No entanto, se a polícia for muito longe na repressão, o efeito poderá ser o oposto. Uma reação com mão pesada a pequenas manifestações em junho passado enfureceu muita gente e foi um importante fator para que o número de participantes nos protestos se multiplicasse na época.

 

Esse difícil equilíbrio ajuda a explicar por que as autoridades estão ansiosas por abraçar ações de inteligência e outras novas táticas.

 

Grella disse que a polícia estuda como outros países lidaram com o Black Bloc. As próximas semanas verão a estreia de uma nova "Brigada de Captura" da polícia uniformizada, sem armas de fogo, que será encarregada de deter manifestantes violentos, disse ele.

 

Os esforços da polícia para prender manifestantes e registrar seus nomes, e em alguns casos, indiciá-los, também produziram resultados. A maioria dos cerca de 200 black blocs identificados pela polícia em São Paulo não participou do protesto de 25 de janeiro por medo de ser processada, disse Esther Solano, uma outra acadêmica que estuda o grupo.

 

No entanto, novos membros surgiram para tomar o seu lugar – um mau presságio para os meses mais à frente.

 

"Enquanto o governo não enfrentar as principais questões, as pessoas vão continuar protestando", disse Alcadapini, o professor da FGV. "Nada mudou desde junho."

 

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