quinta-feira, 06/06/2024
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Como deve ser um laudo patrimonial?

Em 2014, o Minist&eacuterio P&uacuteblico do Estado ingressou com a&ccedil&atildeo civil p&uacuteblica para prote&ccedil&atildeo da chamin&eacute e da termoel&eacutetrica da antiga Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro) ainda existentes na &aacuterea urbana de Presidente Prudente. S&atildeo edifica&ccedil&otildees do final dos anos 1940 que demonstram o surto do algod&atildeo ocorrido na regi&atildeo a partir de 1935, que levou at&eacute &agrave ideia da instala&ccedil&atildeo da ind&uacutestria t&ecircxtil, o que n&atildeo ocorreu. De fato, localizadas dentro do espa&ccedilo urbano, ao lado da linha f&eacuterrea, s&atildeo marcos da hist&oacuteria de Prudente porque o ciclo do algod&atildeo, substituindo a anterior cultura do caf&eacute, determinou enorme expans&atildeo da economia local nos anos 1940/1950. Nesta &eacutepoca, Prudente esteve entre os maiores munic&iacutepios produtores de algod&atildeo do Estado.

Por&eacutem, surpreendentemente, esta a&ccedil&atildeo foi julgada improcedente, pelo Tribunal, no final de 2016, porque o laudo dos expertos, arquitetos, docentes universit&aacuterios, n&atildeo demonstrou a import&acircncia das edifica&ccedil&otildees como patrim&ocircnio edificado. Diz o ac&oacuterd&atildeo: o parecer dos professores declarou haver interesse em se preservar a chamin&eacute, jungindo-se a tanto uma proposta de constru&ccedil&atildeo de cal&ccedilad&atildeo e ciclovia que uniriam diversos pontos da cidade dentre os quais edif&iacutecios j&aacute incorporados pelo Poder P&uacuteblico Municipal (Armaz&eacutem do Expurgo, Matadouro, Ind&uacutestrias Matarazzo, Instituto Brasileiro do Caf&eacute). Os subscritores do trabalho sugerem &lsquoa demoli&ccedil&atildeo do muro lindeiro a linha f&eacuterrea e a execu&ccedil&atildeo de um cal&ccedilad&atildeo e ciclovia como um important&iacutessimo elemento urbano que poder&aacute se iniciar em frente &aacute Termoel&eacutetrica, passar pelo IBC e terminar no Centro Cultural Matarazzo&rsquo estimam que &lsquoeste cal&ccedilad&atildeo seria uma conquista dos cidad&atildeos prudentinos em rela&ccedil&atildeo as quest&otildees ligadas a sua hist&oacuteria e a valoriza&ccedil&atildeo do seu patrim&ocircnio, como tamb&eacutem para implanta&ccedil&atildeo de um parque linear de lazer&rsquo e planejam inclusive a &lsquoabertura de uma rua para facilitar a mobilidade urbana entre as &aacutereas divididas pela linha f&eacuterrea&rsquo, pormenorizando o modo como seria poss&iacutevel utilizar a obra que prop&otildeem. Esta &eacute, em suma, a prova dos autos e nela n&atildeo se encontra a densidade necess&aacuteria para se determinar ao Poder P&uacuteblico o tombamento dos bens a par do direcionamento de recursos do Er&aacuterio para recuper&aacute-los.

Ent&atildeo, na vis&atildeo dos desembargadores, faltou consist&ecircncia &agrave per&iacutecia, sendo certo que eles muito possivelmente nunca viram a alta chamin&eacute &ndash que se destaca na paisagem – e nem estiveram em Prudente. Por&eacutem em processo existe uma velha m&aacutexima que diz que o que n&atildeo est&aacute nos autos n&atildeo est&aacute no mundo (quod non est in actis non est in mundo). Ou seja, o juiz julga com na base no que consta dos autos. Talvez aqui esteja a explica&ccedil&atildeo pelo fato de a a&ccedil&atildeo ter sido julgada procedente em primeiro grau: o juiz local conhecia o local diferentemente dos desembargadores, que se louvaram apenas no laudo, s&oacute nele.

Portanto, fica a li&ccedil&atildeo para os profissionais que fazem laudos patrimoniais: a quest&atildeo posta n&atildeo &eacute prospectiva (o que poderia ser feito no local) e sim descritiva da import&acircncia do bem para a mem&oacuteria, como registra a decis&atildeo: o estudo efetuado por docentes de arquitetura n&atildeo se cinge ao registro descritivo, que seria aquele esperado caso se cuidasse de bens de valor hist&oacuterico de plano identific&aacutevel: o trabalho logo se torna prescritivo, passando a recomendar sucessivamente o tombamento, a constru&ccedil&atildeo de cal&ccedilad&atildeo e ciclovia, a demoli&ccedil&atildeo de muro lindeiro &agrave ferrovia e at&eacute a abertura de nova rua. Um equ&iacutevoco de an&aacutelise, como apontado, devido aos expertos.

Outro aspecto curioso da decis&atildeo do Tribunal &eacute aquele que estima o custo da prote&ccedil&atildeo: A Municipalidade declarou n&atildeo ter interesse em efetuar a preserva&ccedil&atildeo, que, consoante informa&ccedil&atildeo do Secret&aacuterio Municipal de Planejamento [anterior] custaria cerca de R$ 3.850.000,00. Parece um valor muito elevado porquanto n&atildeo se trata de desapropria&ccedil&atildeo mas sim de tombamento, que n&atildeo retira o dom&iacutenio do bem. O tombamento constitui apenas limita&ccedil&atildeo ao direito de propriedade.

Enfim, ao fazer um laudo ou parecer patrimonial (compet&ecircncia prevista no art. 2&ordm/VI da lei do CAU) o arquiteto n&atildeo pode atuar como projetista mas antes como verdadeiro historiador. Sua vis&atildeo precisa ser, por assim dizer, retrospectiva. O Minist&eacuterio P&uacuteblico perdeu a a&ccedil&atildeo – e o interesse coletivo na preserva&ccedil&atildeo do conjunto foi gravemente prejudicado &ndash porque o parecer n&atildeo conseguiu demonstrar a import&acircncia dos bens para a hist&oacuteria e para a mem&oacuteria local. A ementa do ac&oacuterd&atildeo deixa isto claro:

A&Ccedil&AtildeO CIVIL P&UacuteBLICA &ndash A&ccedil&atildeo civil p&uacuteblica julgada procedente para decretar o tombamento de chamin&eacute e galp&otildees remanescentes de termoel&eacutetrica, constru&iacuteda esta para suprir de energia usina de algod&atildeo de import&acircncia para a hist&oacuteria local. Laudo assente na possibilidade de ulterior constru&ccedil&atildeo, pelo Poder P&uacuteblico, de interliga&ccedil&atildeo entre os bens a serem tombados e equipamentos culturais situados em extremo oposto da cidade. Bens cujo valor hist&oacuterico pr&oacuteprio n&atildeo restou evidenciado. Ju&iacutezo negativo da Municipalidade acerca da necessidade de preservar o bem que n&atildeo se mostra, nesse contexto, desarrazoado. Presun&ccedil&atildeo n&atildeo elidida da legitimidade da postura da Administra&ccedil&atildeo. Insufici&ecircncia da prova para que se determine a destina&ccedil&atildeo de recursos escassos &agrave conserva&ccedil&atildeo das edifica&ccedil&otildees. Preliminares que se confundem com o m&eacuterito. Apelos providos. (Feito 1001671-65.2014.8.26.0482)

O que fazer agora? Agora, a &uacutenica solu&ccedil&atildeo poss&iacutevel ser&aacute o tombamento pelo Poder Executivo local. No entanto, como transcrito acima, a Administra&ccedil&atildeo Municipal anterior j&aacute declarou que n&atildeo tinha interesse na preserva&ccedil&atildeo desse patrim&ocircnio e a atual &eacute mera continua&ccedil&atildeo dela. Portanto, este importante conjunto arquitet&ocircnico est&aacute correndo grande perigo de desaparecer.

Jos&eacute Roberto Fernandes Castilho &eacute procurador do Estado e professor de Direito Urban&iacutestico da Faculdade de Ci&ecircncias e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente.


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Oscar D&39Ambrosio
Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp

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Parmenas Alt
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