domingo, 12/05/2024
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Corrupção: Caminho sem volta

O caminho do combate &agrave corrup&ccedil&atildeo &eacute um caminho sem volta. O brasileiro est&aacute cansado, mas est&aacute desperto. Nenhuma institui&ccedil&atildeo sobrevive mais de apar&ecircncias. Paulatinamente, os cidad&atildeos passam a exigir mais dos governantes, mais dos &oacuterg&atildeos de controle e mais at&eacute de si mesmos.

&Eacute atrav&eacutes de comportamentos &eacuteticos que conseguiremos mudar uma cultura cruel que ainda est&aacute entranhada no cotidiano de todos n&oacutes: a cultura do levar vantagem, do jeitinho, do mais esperto, daquele que faz uma tramoia e se d&aacute bem na vida. Nenhuma lei &eacute suficiente para transformar uma cultura, se n&atildeo tiver a &eacutetica como alicerce.

Por mais que a legisla&ccedil&atildeo brasileira se modifique e torne mais severa a puni&ccedil&atildeo, melhore seus mecanismos de fiscaliza&ccedil&atildeo, o que &eacute bom e necess&aacuterio,&nbsp&nbspainda assim, n&atildeo vai conseguir impor o comportamento &eacutetico por decreto. A mudan&ccedila cultural necess&aacuteria para combater a corrup&ccedil&atildeo requer intensa campanha de divulga&ccedil&atildeo de suas pr&aacuteticas, seus malef&iacutecios, as formas de evitar e combater e a certeza de puni&ccedil&atildeo a quem a praticar. Essa publicidade, de t&atildeo importante, est&aacute prevista no pacote das dez medidas apresentadas pelo Minist&eacuterio P&uacuteblico Federal no Congresso Nacional, com a chancela de mais de dois milh&otildees de brasileiros.

Recentemente, um jovem rapaz decidiu assaltar o pr&eacutedio onde moro, escalando um a um os andares, at&eacute encontrar uma sacada ou janela que estivesse aberta. Ele entrou em sete apartamentos durante a madrugada, inclusive no meu, no 5&ordm andar. Dei de cara com ele, j&aacute no meu quarto, e o susto foi rec&iacuteproco: ele sumiu t&atildeo de repente que, meio sonolenta, imaginei ter visto um fantasma. S&oacute durante o dia, quando assisti &agraves imagens do circuito de seguran&ccedila do condom&iacutenio, soube que n&atildeo s&oacute o fantasma era bem vivo, como eu j&aacute o conhecia.

O rapaz &eacute conhecido por cometer pequenos delitos no meu bairro e adjac&ecircncias, ser preso e logo em seguida voltar &agraves ruas para cometer outros pequenos delitos. &Eacute seu modo de vida. Dele n&atildeo tenho &oacutedio, mas &eacute imposs&iacutevel n&atildeo se indignar. Sei que provavelmente o seu destino ser&aacute o mesmo que o de milhares de jovens brasileiros, ano ap&oacutes ano: matar algu&eacutem, ser morto por algu&eacutem, ou ambas as coisas.

A &uacutenica certeza que tenho &eacute que toda impunidade sempre acaba custando muito caro. Seja para quem vive de pequenos delitos, ou para quem se esbalda do dinheiro p&uacuteblico, a impunidade &eacute talvez o maior mal da sociedade brasileira. Ela revolta e constrange.

Cruzamos todos os dias com bandidos, os descamisados – como o invasor do meu pr&eacutedio – e os de colarinho branco, e nada podemos fazer, a n&atildeo ser calcular os preju&iacutezos: este me custou apenas o susto e a sensa&ccedil&atildeo de invas&atildeo j&aacute aquele que frequenta colunas pol&iacuteticas, que ri e abra&ccedila crian&ccedilas e que estampa sua foto em urnas eleitorais, custa uma escola p&uacuteblica, um posto de sa&uacutede, um futuro.

Entre os dois h&aacute uma diferen&ccedila crucial: a vida costuma ser muita dura com quem vive de pequenos assaltos e, lamentavelmente, muito f&aacutecil para quem vive de grandes roubos e votos. Quanto mais ambicioso o bandido do colarinho branco, mais as circunst&acircncias (ou o sistema) conspiram a seu favor.

Estado burocr&aacutetico e inchado, sistema pol&iacutetico falido, legisla&ccedil&atildeo complicada e cheia de brechas, Judici&aacuterio lento e congestionado e um sistema penal ineficiente: tudo contribui para a impunidade e a perpetua&ccedil&atildeo no poder exatamente dos mais corruptos.

As dez medidas de combate &agrave corrup&ccedil&atildeo propostas pelo MPF v&ecircm justamente no sentido de atacar, sen&atildeo todos, pelo menos muitos desses problemas, atrav&eacutes de mudan&ccedilas na lei e do aperfei&ccediloamento de sistemas de vigil&acircncia.

Dentre as medidas propostas entendo como primordial a preven&ccedil&atildeo e a transpar&ecircncia, pois a corrup&ccedil&atildeo &eacute como uma doen&ccedila pouco conhecida, ou daquelas contagiosas, que as pessoas tendem a esconder e a n&atildeo comentar, por vergonha e medo. Essas atitudes fazem com que a doen&ccedila se alastre.

Para combat&ecirc-la, precisamos estabelecer a divulga&ccedil&atildeo de sua exist&ecircncia, disseminar os seus sintomas e males (que no caso da corrup&ccedil&atildeo, s&atildeo imensur&aacuteveis) e as formas de prevenir e tratar. Isso tudo se traduz numa palavra: conscientiza&ccedil&atildeo. Falar, falar e falar da corrup&ccedil&atildeo, at&eacute que o conhecimento de seus efeitos chegue no mais distante rinc&atildeo.

A medida n&uacutemero 1 do MPF, Preven&ccedil&atildeo &agrave corrup&ccedil&atildeo, transpar&ecircncia e prote&ccedil&atildeo &agrave fonte de informa&ccedil&atildeo, prop&otildee algumas mudan&ccedilas legislativas que v&ecircm ao encontro dessa m&aacutexima de falar, falar e falar sobre a corrup&ccedil&atildeo.

A primeira mudan&ccedila legislativa &eacute a de Transpar&ecircncia, que para o Executivo e Legislativo est&aacute contida na Lei&nbspn&ordm 12.527/2011. Nela, o MPF prop&otildee&nbspo estabelecimento de regras de accountability e&nbspefici&ecircncia do Minist&eacuterio P&uacuteblico e do Poder Judici&aacuterio, e transpar&ecircncia nos processos de corrup&ccedil&atildeo. A medida &eacute important&iacutessima para dar agilidade nos processos, atrav&eacutes da efici&ecircncia e dos olhos dos cidad&atildeos.

A segunda mudan&ccedila legislativa proposta &eacute da possibilidade de realiza&ccedil&atildeo de teste de integridade, ou seja, forjar situa&ccedil&otildees tentadoras para testar a honestidade de agentes p&uacuteblicos. Sensacional! O desvio de conduta &eacute sedutor. &Eacute muito mais f&aacutecil levar a vida cometendo desvios quando ningu&eacutem est&aacute observando, do que levar a vida dentro dos preceitos de honestidade. O teste de integridade talvez seja uma forma de romper com a sedu&ccedil&atildeo do crime.

J&aacute a terceira proposta de mudan&ccedila, e a mais importante quando falamos em preven&ccedil&atildeo, estabelece percentuais entre 10% e 20% dos recursos de publicidade dos entes da Administra&ccedil&atildeo P&uacuteblica, em a&ccedil&otildees e programas de marketing voltados a estabelecer uma cultura de intoler&acircncia &agrave corrup&ccedil&atildeo, conscientizar a popula&ccedil&atildeo acerca dos danos sociais e individuais causados por ela, angariar apoio p&uacuteblico para medidas contra corrup&ccedil&atildeo e reportar esse crime.

Como escrevi mais acima, a corrup&ccedil&atildeo ainda &eacute como uma doen&ccedila contagiosa e desconhecida. Para combat&ecirc-la, precisamos de campanhas de esclarecimento e conscientiza&ccedil&atildeo. &Eacute muito dif&iacutecil levar para a popula&ccedil&atildeo de baixo grau de escolaridade, e pouco informada, a complexidade dos esquemas de corrup&ccedil&atildeo. Logo, essa popula&ccedil&atildeo n&atildeo entende que o recurso desviado &eacute o dinheiro que foi roubado da escola de seu filho.

Isso &eacute b&aacutesico! Parece simples e desnecess&aacuterio, mas n&atildeo &eacute. Nem todo cidad&atildeo tem a compreens&atildeo de que o buraco que estourou o pneu de seu carro naquela rodovia que n&atildeo tem manuten&ccedil&atildeo, &eacute produto da corrup&ccedil&atildeo.

Por fim, o MPF prop&ocircs sigilo da fonte, que j&aacute est&aacute previsto no art. 5&ordm da Constitui&ccedil&atildeo Federal, mas tratando especificamente de prote&ccedil&atildeo para quem reporta casos de corrup&ccedil&atildeo e colabora com o seu combate.

Em resumo, com esta primeira das dez medidas, contemplamos os tr&ecircs preceitos do que acho essencial para o combate &agrave corrup&ccedil&atildeo: n&atildeo oferecer n&atildeo aceitar e reportar quando se toma conhecimento.

Em meu Estado, Mato Grosso, vivemos um momento importante, pois&nbspestamos implementando pol&iacuteticas p&uacuteblicas que poderiam ter sa&iacutedo desta medida n&uacutemero 1 do MPF.

Atrav&eacutes de um projeto de Lei a ser encaminhado ao Legislativo, criamos o Programa de Integridade P&uacuteblica, que prev&ecirc a implementa&ccedil&atildeo de programas de&nbspcompliance&nbspem todos os &oacuterg&atildeos p&uacuteblicos.

Como projeto piloto, a Secretaria Estadual de Trabalho e Assist&ecircncia Social, que nos &uacuteltimos anos recebeu a visita do Gaeco algumas vezes, j&aacute assinou o termo de ades&atildeo ao Programa de Integridade e come&ccedilou a implement&aacute-lo. A equipe j&aacute foi capacitada e segue sob a orienta&ccedil&atildeo do Gabinete de Transpar&ecircncia e Combate &agrave Corrup&ccedil&atildeo, agora na fase de mapeamento de todos os processos, a fim de colocar na matriz de risco, e assim estabelecer as vulnerabilidades, para criar procedimentos preventivos e minimizar os riscos do cometimento de corrup&ccedil&atildeo.

A equipe j&aacute fez, inclusive, um teste de integridade na sede secretaria, onde se detectou que 5% das fatias de um bolo colocado &agrave venda, sem vigil&acircncia, foram retiradas sem que se deixasse o valor referente, na caixa ao lado.

No in&iacutecio deste ano, inserimos em todos os contratos firmados pelo governo, para aquisi&ccedil&atildeo de bens, contrata&ccedil&otildees de servi&ccedilos e loca&ccedil&atildeo de bens no Poder Executivo Estadual, uma cl&aacuteusula anticorrup&ccedil&atildeo, que prev&ecirc o rompimento de qualquer contrato, sem penalidades, com empresas que se envolverem em atos il&iacutecitos.

Outra medida &eacute o canal de den&uacutencia dispon&iacutevel a todos os cidad&atildeos, garantindo anonimato e/ou sigilo para a prote&ccedil&atildeo tanto do colaborador, quanto do denunciado, at&eacute que os &oacuterg&atildeos competentes para realizar uma investiga&ccedil&atildeo comprovem seu envolvimento.

Estamos trabalhando para criar um ambiente mais saud&aacutevel de neg&oacutecios e de relacionamentos, para que assim, prevenindo a corrup&ccedil&atildeo, possamos atender o nosso cliente, o cidad&atildeo, com mais qualidade.

Mas nem tudo s&atildeo flores, j&aacute dizia o antigo bord&atildeo. N&atildeo s&atildeo poucas as dificuldades que encontramos fora e dentro do sistema. Resist&ecircncias geradas por desconhecimento ou comodismo, e tamb&eacutem – e estas s&atildeo as mais desgastantes -, geradas pela m&aacute f&eacute de oportunistas avessos a controles, transpar&ecircncia e probidade.

O lado bom &eacute que as barreiras nos impulsionam para frente. N&atildeo podemos desistir do nosso pa&iacutes, apesar dos entraves.&nbspEstamos aqui a propor mudan&ccedila de cultura, de comportamento e de atitudes. E isso implica, logicamente, transforma&ccedil&atildeo no comportamento, na cultura e nas atitudes. N&atildeo no discurso.

As dificuldades e resist&ecircncias internas, estamos enfrentando uma a uma, com a paci&ecircncia de J&oacute e a resist&ecircncia de uma mula empacada.

Aguardamos ansiosamente a aprova&ccedil&atildeo das dez medidas e, com elas, a destina&ccedil&atildeo de recursos de publicidade, de modo a trazer luz ao trabalho que o Gabinete de Transpar&ecircncia e Combate &agrave Corrup&ccedil&atildeo do Estado de Mato Grosso, uma secretaria de sete pessoas, vem silenciosamente fazendo.

N&atildeo cortamos la&ccedilos em inaugura&ccedil&otildees ou estouramos champanhe em grandes obras, todas por certo importantes, mas somos cobrados se algum problema acontece ap&oacutes o la&ccedilo cortado e o champanhe estourado. Nem por isso desanimamos, pois sabemos da import&acircncia do nosso trabalho para a sociedade e temos a plena convic&ccedil&atildeo de estarmos plantando a verdadeira transforma&ccedil&atildeo. N&atildeo se colhe pequi, fruto do cerrado, em um ou dois anos, mas depois da primeira safra, o fruto tende a ser de melhor qualidade a cada ano.

Logo, plantemos pequis em todo Brasil para combater a corrup&ccedil&atildeo!

Um pensamento atribu&iacutedo ao fil&oacutesofo alem&atildeo&nbspGoethe (h&aacute quem negue que seja de sua autoria), reflete bem o momento em que estamos vivendo em Mato Grosso ao criarmos uma Secretaria Estadual de Compliance, as dificuldades e persist&ecircncia:&nbsp&quotEnquanto n&atildeo estivermos compromissados, haver&aacute hesita&ccedil&atildeo, a possibilidade de recuar, e sempre, a inefic&aacutecia.&nbsp
Em rela&ccedil&atildeo a todos os atos de iniciativa e de cria&ccedil&atildeo, existe uma verdade elementar cuja ignor&acircncia mata in&uacutemeros planos e ideias espl&ecircndidas.&nbsp
No momento em que definitivamente nos compromissamos, a provid&ecircncia divina tamb&eacutem se p&otildee em movimento. Todos os tipos de coisas ocorrem para nos ajudar, que em outras circunst&acircncias nunca teriam ocorrido. Todo um fluir de acontecimentos surge a nosso favor como resultado da decis&atildeo, todas as formas imprevistas de coincid&ecircncias, encontros e ajuda material, que nem um homem jamais poderia ter sonhado encontrar em seu caminho. Qualquer coisa que voc&ecirc possa fazer ou sonhar, voc&ecirc pode e deve come&ccedilar. A coragem cont&eacutem, em si mesma, o poder, o g&ecircnio e a magia.&quot

&Eacute um caminho sem volta – mas s&oacute vamos tra&ccedil&aacute-lo com o engajamento de toda sociedade!

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&nbspAdriana Vandoni&nbsp&eacute economista, especialista em Administra&ccedil&atildeo P&uacuteblica pela EBAPE/FGV e secret&aacuteria de Estado do Gabinete de Transpar&ecircncia e Combate &agrave Corrup&ccedil&atildeo de Mato Grosso.

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Parmenas Alt
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