quarta-feira, 15/05/2024
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Críticas ao cânone permeiam discussões na intelectualidade latino-americana

Os pesquisadores Carlos Bauer (Universidade Nacional de Córdoba/Argentina), Maria Cristina Gobbi (Universidade do Estado de São Paulo/Bauru) e Ludmila Brandão (Universidade Federal de Mato Grosso), discutiram em evento realizado no início de junho, no campus da UFMT, a crítica sobre o cânone, particularmente o europeu e o estadunidense, e teceram considerações sobre o pensamento latino-americano na área de Comunicação. A mediação e o debate foram da professora Maria Érica de Oliveira Lima (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

 

Folkcomunicação: Configuração e percurso

Em sua fala, Maria Cristina Gobbi expôs que a Folkcomunicação evidencia o processo de formação cultural brasileira, permeada pelo principal eixo étnico-identitário (índios-portugueses-negros) e por fluxos migratórios, dentro e fora do país. Tal processo de enriquecimento de signos e significações também é permeado pelos meios de comunicação de massa.

Por outro lado, a globalização econômica acabou por impor um “isolamento social” de comunidades – ditas marginalizadas. Ao rememorar Luiz Beltrão, o idealizador dessa abordagem, Gobbi pontuou que a “Folkcomunicação consiste em um intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes, em um processo artesanal (entende-se aqui com os aparatos utilizados pelas grandes corporações midiáticas) e horizontal (por meio do compartilhamento e na qual emissor e receptor estão no mesmo nível)”.

Gobbi afirmou que a Folkcomunicação contribuiu para a área ao tornar possível estudar sistemas comunicacionais que não estivessem contempladas nas sociedades industrializadas. “É um campo complexo e interdisciplinar”, ressaltou a pesquisadora.

Em seguida, Maria Cristina explanou sobre o percurso da Rede Folkcom, constituída por pesquisadores que trabalham com essa abordagem nas universidades pelo Brasil afora. O primeiro congresso da rede (atualmente, com periodicidade anual), ocorreu em 1998 em São Paulo (SP). Em 2016, será realizado na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no Recife. A pesquisadora finalizou relacionando os desafios e o alcance internacional da teoria, com seu grupo de pesquisa integrando a Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic).

 

O capital, sua lógica predatória e reflexões sobre novas lógicas

Bauer começou sua explanação ao situar o percurso teórico e epistemológico sobre a decolonialidade, um dos temas abordados no evento. “Essas discussões originaram nas teorias libertárias da década de 1970”, narrou o pesquisador.

“Temos que refletir em profundidade, dentro das instituições, sobre o aparato epistemológico com o qual fomos habituados e disciplinados. Se não, doutrinados”, prosseguiu Bauer. “Na contemporaneidade, a libertação cultural se tornou uma exigência em todos os níveis”.

O pesquisador argentino pontuou três dispositivos teóricos-práticos que orientam os paradigmas na contemporaneidade: Capital (que deixa a vida como presa e faz se perder a noção de limites). Tudo se torna mercadoria, que deve ser consumida imediatamente, dando origem a um sistema predatório dos recursos naturais.

O segundo ponto consistiu na contradição do grande capital com as diversidades culturais, no sentido em que os paradigmas hegemônicos acabam por “universalizar” e, por extensão, dizimar culturas consideradas “inferiores” ou “menores” – como nos casos dos povos indígenas e tribos africanas durante a empreitada colonial europeia, ou na contemporaneidade, como observado na Palestina e no Haiti. E o terceiro foi sobre a complexa relação entre capital e trabalho. "O capital implica em alienação, dominação, opressão, exclusão… Ou seja, tudo o que está em torno da negação do sujeito e das possibilidades de se afirmar como construtor e participante do processo civilizatório".  

“A grande dicotomia que se vive hoje é o conceito de modernidade e civilização, a ferro, fogo e concreto, em oposição com as lógicas de interação, não-agressão e harmonia com a natureza. Portanto, o grande problema é que, o capital, como configurado hoje, tem origem coletiva, mas seu resultado final, não”, sentenciou Bauer.

 

Crítica ao cânone nas artes plásticas

 

Por sua vez, a professora Ludmila Brandão relacionou os teóricos pioneiros do pensamento decolonial: Franz Fanon, Enrique Dussel, Aníbal Quijano, Valter Mignolo, María Eugenia Borsani, Boaventura de Sousa Santos (que foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa da UFMT em 2014) e Nelson Maldonado-Torres. Com exceção de Fanon e Sousa Santos, a maioria desses autores é de origem latino-americana.

“O Ocidente tem uma obsessão em construir valores tidos como ‘universais’”, explicou a professora. Isso faz com que se perpetuem hegemonias e “higienizações”, em nome do grande capital. “Esse processo, por mais danoso que seja, persiste e se reproduz, mesmo após as nações colonizadas ganhem independência política e econômica”, narrou Ludmila.

Outro ponto abordado pela pesquisadora foi de que, com essa premissa, o racismo prevalece em muitos aspectos, mesmo nas primeiras décadas do terceiro milênio. A seguir, ela contou sua trajetória com a abordagem decolonial, a partir de 2011, com seu projeto de pesquisa intitulado “Colonialidade do poder, do saber e da arte: críticas transversalizadas”.

Ludmila expôs que a arte “fora do eixo” é dotada de muitos rótulos que a aprisionam: naïf, regional, primitivo, indígena, popular, e outros. “A necessidade da legitimação acaba ocasionando limitações para a criatividade e expressividade”, observou Ludmila. “Para se financiar a pesquisa de um artista, é praticamente imperativa uma legitimidade prévia. Se pesquisa para se conhecer, por que então é necessário ser conhecido para pesquisar?”, questionou.

Para ilustrar como se operacionaliza o mercado da arte, a professora mencionou o caso de Yuri Firmeza, artista que organizou uma exposição fictícia em São Paulo. “Nesse evento, houve todo um cuidado em sua divulgação. É uma ficção complexa, em que foram expostos jogos de interesses, arbitrariedades e hierarquias. Enfim, um sistema totalmente permeado pela colonialidade”, concluiu. http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=769

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Parmenas Alt
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