O Fantástico flagrou práticas de contrabando de agrotóxicos para o Brasil nas fronteiras do país com Paraguai e Uruguai. O produto chega a ser dez vezes mais barato que os fabricados no Brasil e pode causar danos à saúde por não estar sujeito a testes.
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Em Ciudad del Este, no Paraguai, um vendedor do produto contrabandeado diz que um litro do agrotóxico que ele oferece rende mais que o produto similar vendido legalmente no Brasil. “Rende quatro vezes mais.”
Segundo o vendedor, o produto contém o princípio ativo tebuconazole, usado em produtos para combater pragas em culturas de abacaxi, batata, cenoura, arroz, soja e milho. A quantidade usada depende da plantação. Para a de arroz, por exemplo, o fabricante nacional recomenda 75 litros para cada cem hectares.
Nada garante que os agricultores que compram agrotóxicos clandestinamente sigam as instruções recomendadas pelas empresas que têm autorização para fabricar e vender agrotóxicos no Brasil. “Se utilizar uma concentração superior numa área com toda certeza vai fazer mal. Vai fazer mal para a cultura, para o meio ambiente, para o trabalhador e para quem consumir”, alerta o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, José Agenor Alvarez.
O agricultor, que vive no interior do Rio Grande do Sul conhece os perigos do uso clandestino, mas compra o produto porque o preço chega a ser dez vezes menor. “Quando fazemos aplicação com esses produtos ‘clandestinos’, vemos que as lavouras são diferentes, fica um ano sem nascer capim”, conta o agricultor. Ele acredita que o produto pode prejudicar o meio ambiente. “Com certeza, isso prejudica a natureza. Vemos diferença até nos peixes, passarinhos. Mata tudo”.
Ainda em Ciudad del Este, o repórter do Fantástico entra no escritório comercial de um fabricante paraguaio. O representante, que é brasileiro, afirma que o produto pode ser entregue em qualquer lugar do Brasil. “Uma pessoa pode comprar aqui, e eu conheço algumas que podem levar. Aí, cobram a parte delas. Levam a distâncias grandes. Não sei se é avião ou se não é, e nem me interessa”.
No centro da cidade paraguaia é fácil encontrar atravessadores que cobram para cruzar a fronteira transportando o produto ilegal. Um motorista cobrou R$ 30 para transportar. O homem escondeu o pacote na van. Uma placa adverte: “A entrada de agrotóxicos no Brasil é proibida”. Mas, em poucos minutos, ele entregou o contrabando ao repórter em Foz do Iguaçu.
“Temos informações de que a quantidade que o Paraguai importa desses produtos, principalmente dos países asiáticos, seria suficiente para aplicar de cinco a seis vezes em todo o território do Paraguai. Ou seja, fica claro que esse produto é importado pelo Paraguai com o objetivo de atender ao mercado brasileiro na verdade”, diz Gilberto Tragansin, funcionário da Receita Federal de Foz do Iguaçu.
O Fantástico também flagrou o esquema em cidades do Uruguai. Em uma rua de Rivera, vizinha de Santana do Livramento (RS), lojas de artigos eletrônicos se misturam a estabelecimentos que vendem agrotóxicos. “O senhor pode tirar e botar em baixo do banco do carro. Tem que esconder”, ensina um vendedor.
Na cidade de Bella Unión, na fronteira do Uruguai com Barra do Quaraí (RS), um lojista indica um motorista que transporta agrotóxicos para o Brasil. O Fantástico localizou o contrabandista. Ele é brasileiro e cobra R$ 2 por cada litro ou quilo de agrotóxico. “Consigo fazer até 100 quilos”, diz ele, que usa uma caminhonete para transportar o agrotóxico.
Legislação
Pelas leis brasileiras, grande quantidades de defensivos agrícolas só podem ser transportados em veículos sinalizados. O motorista precisa ter feito curso específico no departamento de trânsito do estado em que tira a carteira.
Em Quaraí (RS), no entanto, taxistas brasileiros fazem parte do esquema. “Aqui não me atacam, só se eu vier com muito peso”, diz um taxista.
É fácil cruzar a fronteira com o produto ilegal. Nas cidades de Quaraí e Barra do Quaraí, os carros não são parados nos postos de fiscalização. Em Aceguá (RS), a aduana estava fechada e a equipe do Fantástico decidiu cruzar a pé, com uma sacola de agrotóxicos.
“A nossa estratégia tem sido a desarticulação das quadrilhas que atuam e não a presença em todos os pontos, até porque seria impossível, na prática, estar em todos os postos permanentemente”, explica o superintendente regional da Receita Federal no Rio Grande do Sul, Paulo Renato Silva da Paz.
Legalidade
Para ser vendido legalmente, um defensivo agrícola precisa passar por testes e ser registrado em três ministérios: Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Isso não acontece com o produto contrabandeado.
“Nós temos que verificar se esses agrotóxicos produzem desde uma simples reação alérgica, uma simples reação ocular até efeitos mais graves que podem perdurar anos e aparecer”, diz o diretor da Anvisa, José Agenor Alvarez.
No laboratório da Polícia Federal, em Porto Alegre, a reportagem acompanhou os testes que comprovam os riscos. O contrabando, apreendido em uma agropecuária de Passo Fundo (RS), deveria ser para combater insetos, mas a perita Daniele Zago descobriu que, na verdade, o conteúdo é veneno para fungos.
“A população pode ser lesada por consumir o alimento com resíduo não esperado. A população está se expondo a um maior nível de agrotóxico. Durante a aplicação, o agricultor vai ter o prejuízo econômico de não estar matando a praga que ele deseja”, ressalta a perita.
Troca de produto
No Mato Grosso, técnicos identificaram embalagens contendo três agrotóxicos em vez de apenas um, como indicava o rótulo.
“O ministério tem mantido contatos com a Polícia Federal e operações em conjunto, como também mantém ações especificas nas fazendas e fronteiras, principalmente no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, no sentido de detectar se existe ou não o uso de agrotóxicos contrabandeados. Se evidentemente existir isso, é rapidamente eliminado e as penas da lei são aplicadas”, afirma o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.
Quem vende ou compra agrotóxico contrabandeado pode ser multado pelo Ibama em até R$ 2 milhões. O contrabando também é punido pela Receita Federal. Neste caso, as multas variam conforme o valor da mercadoria. Os envolvidos no esquema também cometem crimes previstos pelas leis ambiental e dos agrotóxicos. As penas variam de dois a oito anos de prisão.
G1