segunda-feira, 10/06/2024
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HIV – na terceira idade qual os cuidados?

A notícia quase sempre vem de sopetão. Depois de abrir o envelope lacrado com o resultado do exame, os olhos percorrem a folha branca e custam a encontrar alguma informação que possa ser compreendida por um leigo. Na realidade, quando se trata de um diagnóstico de HIV, uma palavra basta: “reagente”, ou seja, o vírus foi detectado no sangue pelo exame. É nela que os olhos se fixam e chamam à consciência todas as mudanças e
obstáculos que um portador do vírus poderá enfrentar.
A surpresa em se descobrir portador do HIV, o vírus da aids, tem uma explicação comum a todos aqueles que são soropositivo: quem se infectou jamais imaginou que uma coisa dessas poderia acontecer.
É uma realidade que, por carregar tamanha dramaticidade e trazer à tona o medo da morte, é automaticamente afastada, mesmo que em pensamento.
Na semana do dia do idoso, comemorado em 1º de
outubro, não há motivos para celebrar. Embora o Brasil tenha avançado no combate à epidemia do HIV ao longo dos anos, o vírus se alastrou a ponto de não existir mais só nos antigamente chamados grupos de risco – homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Além disso, as estatísticas trazem aos especialistas e à sociedade uma realidade alarmante, antes pouco imaginável: “Depois dos jovens, homossexuais e bissexuais, a terceira idade tem apresentado o maior número de novos casos”, confirma Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do Programa Nacional DST/Aids, do Ministério da Saúde.

Dados do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, referência no
combate à doença – mostram que, em 4 anos, o número de idosos atendidos mensalmente com HIV cresceu 400%. “Subiu de 20, em 2004, para 100, em 2008”, afirma o infectologista Jean Gorinchteyn. O último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde também aponta a mesma tendência. Entre 1996 e 2006, enquanto o número total de casos de aids no País teve crescimento de 33%, na faixa de 60 anos ou mais o salto corresponde a 152% (veja quadro). Nas estatísticas, são notificados os casos da doença em pessoas que apresentaram infecções oportunistas. Isso quer dizer que o número de novos infectados deve ser ainda maior, pois o HIV pode demorar até 10 anos para se manifestar.
Alguns fatores explicam a presença cada vez mais freqüente dos idosos nas estatísticas da aids. Em primeiro lugar, o aumento da expectativa de vida na terceira idade – com o avanço da medicina e a melhoria das condições sócio-
econômicas, por exemplo – contribuiu para que o idoso, nos últimos 10 anos, passasse a ter uma vida social mais intensa. “Hoje, o perfil dos mais velhos mudou. Eles vivem com mais qualidade, o que reflete na disposição para trabalhar e se divertir”, comenta Eliane Fonseca, infectologista do Centro de Referência de Tratamento de DST/Aids em São Paulo.
Os tratamentos para reposição hormonal facilitaram o prolongamento da vida sexual. No final dos anos 90, os homens também puderam contar com mais um aliado: os remédios para disfunção erétil. Apesar de ser um dos principais fatores que contribuíram para o aumento de casos de HIV entre os idosos nos últimos anos, a utilização dessas drogas ainda não está totalmente projetada nas estatísticas. “Daqui a 5 ou 6 anos, podemos ter um surto de casos de homens e mulheres dessa faixa etária infectados pelo HIV”, diz Gorinchteyn.

A atividade sexual na terceira idade não se configura, no entanto, como uma situação de risco por causa das drogas para disfunção erétil, mas porque, na maioria dos casos, ainda é praticada sem proteção. “Os mais velhos fazem parte de uma geração que, na juventude, viveram sem temer a aids.O corpo passa por várias mudanças”
Rosa, de 57 anos, comerciante
Descobrir que tinha HIV foi o pior presente de natal que já ganhei. No final de novembro de 1996, depois de ir a vários médicos que não resolviam uma latência constante no dedão do pé, resolvi fazer o exame de HIV como última opção. Fiquei atordoada com o diagnóstico. Quem me transmitiu também não sabia que estava contaminado. Posso imaginar que a contraí de um relacionamento que tive após me separar do meu marido. Eu nunca fui promíscua, mas não usava camisinha.
Apesar de conseguir controlar a doença, o corpo passa por diversas mudanças, o que é difícil muitas vezes aceitar. Os braços e pernas ficam mais finos, a barriga inchada. Emagreci quase 30 quilos em menos de um mês. Minha família soube aceitar bem, mas o preconceito está fora de casa.

“Meu marido trouxe o vírus para casa”
Bárbara, de 60 anos, dona de casa

Há 4 anos, depois de fazer alguns exames pré-operatórios, uma carta chegou até minha casa pedindo que eu retornasse ao especialista que cuida de doenças relacionadas ao sangue. Nunca esperei que pudesse ouvir de qualquer médico que eu tinha HIV. Fiquei sem reação.
A minha raiva era de nunca ter imaginado que meu marido traria o vírus para dentro de casa. E o pior: toda a -família dele sabia que ele era soropositivo, mas ninguém me contou. Achava que ele tinha morrido de tuberculose. Cheguei a desconfiar quando ele escondia de mim os remédios que tomava.
Sempre soube que ele tinha outras mulheres, mas não me protegia. Quando a gente divide uma vida inteira com um homem nem passa pela nossa cabeça que a gente pode se infectar. Hoje, vivo bem com meus filhos. Mas tenho medo que as pessoas tenham nojo de mim.É por isso que, durante a vida, não adquiriram o costume de usar preservativos”, explica Juvêncio Furtado, médico presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.

A história da dona de casa Bárbara, de 60 anos (veja depoimento), representa um grupo comum entre os infectados após os 50 anos. Há pouco mais de 5 anos, ela descobriu que era soropositivo. “Eu jamais pensei que meu marido pudesse trazer o vírus para dentro de casa”, desabafa ela, que nunca usou camisinha com o marido.

“Achava que ele era fiel”.
Dos pacientes infectados atendidos pelo ambulatório do Emílio Ribas, 85% são homens, sendo que 80% afirmaram ter contraído a doença em relações extraconjugais e heterossexuais. Então, percebeu-se que as mulheres corriam grande risco de serem portadoras. Mais de 70% das mulheres foram infectadas pelos maridos.

O alto número de idosas soropositivo e a maneira como os parceiros contraíram o vírus, segundo especialistas, pode ser explicado pelo fator hormonal – que não justifica a traição nem a falta de proteção. A partir dos 50 anos, a mulher sofre uma diminuição da disposição sexual. “Mas o homem ainda sente desejo e, muitas vezes, procura relações fora do casamento”, comenta Furtado.

“Não é comum, mas tenho duas pacientes, já não mais casadas, e que freqüentavam bailes da saudade. Foi lá que elas se contaminaram”, diz Gorinchteyn. Aliás, bailes da saudade e clubes estão entre os pontos de divulgação da nova campanha do Ministério da Saúde para o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, em 1º de dezembro, que terá como destaque o HIV na terceira idade.

“Para mim, HVI era coisa de jovem “
Beatriz Pacheco, de 60 anos, advogada

Antes de ser infectada, tinha a idéia de que HIV era sinônimo de marginalidade e má-conduta. Para mim, aids era coisa para gente jovem. Tanto é que levei quase 1 ano para descobrir que as alergias no meu corpo apareceram porque estava infectada. Nem os médicos chegaram a cogitar que eu poderia ser soropositivo. Contraí o vírus do meu segundo marido, que se submetia a transfusões de sangue. A medicina não era tão avançada e a primeira médica com quem me consultei disse que eu tinha 18 meses de vida.
Minha família não me desamparou, mas já passei por situações constrangedoras, como entrar numa piscina e as mães tirarem os filhos com medo de se infectarem. Não me incomodo. O vírus não tira a nossa dignidade.

“Procurei vida sexual fora do casamento”
José da Silva Saraiva, de 55 anos, mecânico
Há alguns anos, quando me separei da minha mulher – com quem ainda vivo, mas não tenho relações sexuais com ela – comecei a me relacionar com outras mulheres, inclusive com profissionais do sexo. Acredito que tenha sido assim que contraí o vírus.
Os preservativos me incomodavam muito e, por isso, não os usava. Eu pensava: comigo não vai acontecer. Não esperava que pudesse me infectar com o HIV. No final, minha família soube me apoiar. Eles entendiam que, quando você não tem uma vida sexual dentro de casa, acaba procurando fora. Mas há pessoas que nem na minha cara olham. Já sofri muito preconceito dentro do trabalho, mas não me importo. Não serei o primeiro e nem o último a
ser infectado.

Fernando Gazzaneo/F.Uni

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Parmenas Alt
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