sábado, 08/06/2024
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Elogio da corrupção

Não sou eu quem faz o elogio, mas um escritor alquimista:
“A corrupção se aproxima e participa mais da geração do que o faz sua privação, visto que a corrupção é um movimento que dispõe a matéria à geração por graus sucessivos de alteração que nela introduziu. Mas a privação não age e não executa coisa alguma na obra da geração, ao contrário da corrupção, que excita e prepara a matéria a fim de que se torne suscetível de forma e, qual mediadora, lhe presta um serviço de alcoviteira (lenocinium) a fim de que a matéria possa mais facilmente satisfazer sua cobiça natural e obter, por seu ministério, a cópula da forma. É por isso que a corrupção é uma causa instrumental e necessária da geração, ao passo que a privação nada mais é que uma pura carência do princípio ativo e formal, ou então as trevas sobre a face do Abismo, isto é, da matéria informe e tenebrosa.” (Jean d’Espagnet, A Obra Secreta da Filosofia de Hermes Trismegisto, L. Oren ed., SP, 1976, cap. “A Filosofia Natural Restituída”, p. 46.)
Como se vê, a corrupção também tem lá sua utilidade.
Certamente, um texto hermético do gênero precisa ser decifrado, e não basta uma leitura apressada. É preciso entender que a utilidade da corrupção é que dá lugar a novas formas e situações, num mundo em perpétua mutação.
A corrupção é, por si, degenerativa. O fato de que a corrupção triunfe é um indício da decadência da sociedade, da civilização, etc. Mas há uma mudança significativa, desde que o poder foi “devolvido” aos civis. Os militares, numa fase anterior, se apropriaram do poder a pretexto de combater a corrupção, os desmandos administrativos e evitar que o Brasil se tornasse comunista. Vinte anos depois, quando apearam, a corrupção chegara a níveis nunca antes igualados, a educação estava sucateada, a segurança… muito insegura. A inflação só foi superada posteriormente por Sarney, cria da ditadura. A pirâmide social tinha se afunilado como nunca antes na história. Os pobres estavam depauperados, a classe média se proletarizara, e os ricos, mais ricos e percentualmente mais minoritários, em comparação com períodos anteriores.
A mudança hoje, talvez menos pela intenção dos políticos ou dos que detêm o poder do que pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, a própria evolução dos acontecimentos, circunstâncias astrais, etc., é que a sujeira está vindo à tona e, embora prossiga o clima de impunidade, podemos ter a esperança de que futuramente as coisas poderão mudar. Na idade média, seria impensável a igualdade das diversas raças, e mesmo a igualdade de direitos entre homem e mulher. Hoje, a escravidão acabou, pelo menos no papel. Mas se existem ditaduras, é que existe gente disposta a tiranizar, e gente que se deixa tiranizar.
Ouspensky, em Conversas com um Diabo, escreve: “… a guerra é a mais alta expressão da civilização e do progresso. Que teria ocorrido ao povo se não houvesse guerras? Selvageria, barbárie, uma completa falta de evolução. Sempre me pareceu, sem embargo, que a importância das guerras para o desenvolvimento político e moral do homem nunca foi suficiente valorizada. Sem ir mais longe, recentemente as pessoas têm falado demais sobre uma paz eternamente perdurável. // Os sonhos de paz debilitam até a anemia mesmo as nações mais civilizadas, e geralmente indicam que o país está em decadência. Em geral, só os homens cansados, esgotados, e espiritualmente expropriados, se permitem sonhos de paz duradoura. A guerra é o princípio criador do mundo. Sem guerra, começam a aparecer insalubridades – misticismo, culto ao erotismo, decadência na arte e um declínio geral dos saudáveis e fortes. Os períodos prolongados de paz sempre levaram à degeneração.” (Charlas con un Diablo, 111.)
Muito provavelmente o ex-ministro Golbery do Couto e Silva, que chegou a ser apontado como “eminência parda” dos governos militares, assinaria isso aí. Ele acreditava que as nações eram organismos, destinados a crescer e engolir outros, ou desaparecer. Assim, em sua geopolítica, o Brasil devia anexar países menores (por “razões justas ou injustificáveis pouco importa”) e, no confronto final entre o “Leste ateu” e o Ocidente “cristão”, aliado ao piedoso capitalismo judeu-americano, destruir o Leviatã ímpio.
Bem, embora minha tese possa ser questionada como superficial, ou uma suposição baseada numa visão parcial e quiçá distorcida de fatos que não foram observados em todos os seus aspectos, e de qualquer forma, como não escrevo pra qualquer, já que um texto maçudo e recheado de termos obscuros como este desanima grande parte dos leitores apressados, que somos todos os impacientes deste estranho princípio de milênio que não parece muito mais animador que o(s) anterior(es), acho que estamos vivendo uma espécie de ressaca da ditadura. O estado de exceção que vivemos no período prossegue, agora com uma estranha associação entre a direita e o crime organizado, assaltantes manipulando armas privativas do exército, o comércio internacional cúmplice ou omisso, o blá-blá-blá dos políticos, os lobbies impedindo a modernização do país, em matéria de transporte e outras, a direita há quinhentos anos estabelecida no poder entravando tudo, e agora a Onu decide que “o Brasil tem que acabar com a corrupção e a violência”, mas não diz como. Realmente, o Brasil é um caso de polícia. Internacional. Ou, como disse Levi Strauss, “o Brasil corre o risco de ficar obsoleto antes de ficar pronto”. É verdade, o Brasil não é um país sério, e o brasileiro não sabe votar.
Mesmo assim tem o direito livre e compulsório de comparecer às urnas em meio ao barulho, à sujeira nas ruas e às compras de votos, a cada dois anos.
E eu, que faço parte dessa massa que passa nos projetos do futuro, não pretendo fazer campanha pelo voto nulo, porque acho que é só mais uma campanha, já votei do PL ao PT (só não votei no PCC, ainda que não faça muita diferença entre os ppp), só quero deixar meu recado: não devemos nos desesperar, a corrupção também é útil, dá lugar a novas formas da vida, já que, neste mundo, a corrupção é até uma necessidade. Só não sei se sobreviveremos, pois acho que poderíamos dizer, ou o Brasil acaba com a corrupção, ou a corrupção acaba com o Brasil.
Eh vida de gado…
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Josué Marcilio é jornalista e poeta, autor de Um Xavante Desceu de uma Estrela.

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Parmenas Alt
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